Em Direção ao Termo Singular e o seu uso clínico


Sebastião Soares

Segundo Lúcio Packter, os submodos não são fórmulas matemáticas exatas para serem usados com rigidez. Eles são formas sem conteúdo, vazias, cujo preenchimento ocorre após a conclusão dos exames categoriais, portanto são amorfos, como a modelagem que é possível construir. Recorrendo a imagens mentais, é possível ilustrar o evento clínico com o belo quadro de Delacroix, denominado “Dante nos rios do inferno”, em que o autor da Divina Comédia atravessa um dos círculos tenebrosos do inferno apoiado no braço de Virgílio, considerado o maior poeta romano. A pintura, muito útil aos colegas professores, revela o sentimento de filia entre os dois poetas latinos e, principalmente, a acolhida de Virgílio para auxiliar Dante na sua tenebrosa travessia. Assim pode ser a filosofia clínica, um braço amigo que acolhe o partilhante no seu assunto, na sua queixa, na sua caminhada existencial.
Assim, também, podemos pensar os submodos, com a imagem que Michelangelo tinha da escultura. Ao trabalhar o mármore e esculpir figuras clássicas como Davi ou Moisés, o genial florentino afirmava que não criava nada, apenas dava luz ao que existia escondido no mármore bruto. Eis o que são os submodos. O conteúdo que pode estar agendado na Estrutura de Pensamento de cada pessoa e por ela revelado para ser utilizado pelo Filósofo Clínico, junto à pessoa, no processo terapêutico. Como Michelangelo recebemos apenas a forma do mármore para moldar o seu conteúdo, extrair o que já existia; portanto, partejar, na acepção socrática do termo .
Entre os  submodos, na lista dos 32 desenvolvidos por Packter na sua Tábua de Submodos, há o que se denomina Em Direção ao Termo Singular que revela ao filósofo a direção da pessoa a dados específicos. É um submodo vinculado à maiêutica socrática, pois, Sócrates, o grande mestre de Platão, também foi um mestre no uso e aplicação dos termos singulares, como pode ser observado nos diálogos platônicos O partilhante poderá relatar  informações detalhadas, muitas vezes exatas e minuciosas. Mas, considerando o dado da singularidade, outras pessoas não conseguem se expressar. Podem estar confusas, amedrontadas, envergonhadas, em choques estruturais que as levam a se perder em conteúdos não-verbais, dolorosos ou não, fazendo com que estes eventos fiquem inacessíveis à sua malha de pensamento, o que não recomenda a aplicação coercitiva, via agendamento, de termos singulares. Eles talvez não tenham nenhuma eficácia, nestas condições, ou, o que é pior, se transformarem em afrontas à pessoa. Como todos os demais, é preciso que o uso do submodo em Direção ao Termo Singular tenha sentido e eficácia para o partilhante, que tenha acolhida na sua Estrutura de Pensamento.
Esse submodo significa, conforme afirma Lúcio Packter, “uma orientação estrutural em que a pessoa agenda na malha intelectiva imagens, verbos mentais, conceitos como: esta flor amarela, o padeiro João, minha mulher Anita, meu coração é feliz etc. Há um movimento em direção a um dado específico.”
A pessoa que se encontre “em algum estado existencial de confusão” é acolhida pelo clínico com proposições como as que seguem: o que exatamente é isto que está havendo com você? Preste sua atenção a esta única coisa... Entenda isto, e apenas isto, que estou lhe perguntando... Como vão seus batimentos cardíacos neste instante? Eu estou perguntando a você se a sua mão esquerda é tão quente quanto a sua mão direita... Diga-me o nome de uma pessoa ao invés de “as pessoas”,.
Packter adverte que é brutal e perigoso equívoco utilizar Em Direção ao Termo Singular em clínica sem conhecer a EP da pessoa. Esse procedimento, sem a Colheita Categorial, poderá resultar em agressão terapêutica à pessoa, uma vez que, assim, provavelmente acabará agredindo, confundindo, “porque simplesmente está impondo à força algo que pode contrariar os princípios que dão funcionamento à estruturação da pessoa.” A recomendação é no sentido de realizar pesquisa minuciosa e atenta, com a pessoa, para conhecer o uso do  termo singular “como um modo íntimo de ser no mundo; talvez o façam para que tenham maior objetividade, minúcia, entendimento, simplicidade etc. Mas há quem julgue isso um modo de ser que não lhe serve em absoluto, e então prefere  usar termos particulares ou universais (conforme o logicismo formal).”
Assinala Packter que, “Por todas as razões acima, por outras ainda que surgem durante o trabalho clínico, é que usamos um submodo como Em Direção ao Termo Singular.” E ele ensina: Utilizar Em Direção ao Termo Singular é simples. Acompanhe algumas sugestões:
a. Peça o dado celular, singular. Ex: De qual mulher você está me falando exatamente?
b. Indique resumos, sínteses, abreviações, e, depois, vá ao termo singular. Ex: Quais as sociedades, dentro da humanidade, você está criticando? (E depois) E o que precisamente nestas sociedades? (E assim sucessivamente)
c. Use a pergunta como indução e dedução. Ex: Isto é verde?
d. Ensine didaticamente. Ex: Você entende que é melhor quando usa uma afirmativa como ‘esta casa é bonita’ ou quando usa ‘as casas são bonitas’?
e. Somaticidade. Ex: Este toque em seu braço é forte ou fraco? Quente ou frio? Agradável ou desagradável?”
                           Recorrer ao termo singular tem o sentido da busca da precisão, da clareza quanto ao dado celular universalizado. Em Direção ao Termo Singular deve ser aplicado, muitas vezes, com vistas a caminhar, junto com a pessoa, em direção aos seus rios interiores para ir ao dado celular, especificar dados, recortar, selecionar, precisar, classificar, tornar objetivo e evidente, deixar claro, explicitar etc. Mas, vale, mais uma vez. a advertência: o uso do submodo sem o conhecimento da EP, feito através dos exames categoriais; ou a sua aplicação sem que tenha sentido para a pessoa é grosseiro erro clínico a ser evitado.

Sebastião Soares
Professor Titular de Filosofia Clínica em Belo Horizonte-MG
Presidente da Associação Nacional de Filosofia Clínica